sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A urgência do "cercadinho"

Me chamou atenção uma detalhe na matéria “A mexicana Homex tropeça no Brasil” (Estado de S. Paulo, caderno Negócios, 27.set.2010), que trata de algumas dificuldades de uma gigante do setor de construção de casas populares (capaz de erguer uma casa em 7 dias!) para se adaptar ao gosto e à forma de trabalho no Brasil.

“O projeto original dos imóveis teve que ser adaptado aos padrões brasileiros (...) Muitos já iniciaram seus puxadinhos no fundo de casa e ergueram muros para se sentirem mais seguros

Ou seja, os moradores das casas recém-construídas, que tinham apenas o básico, priorizaram cercar a casa com muros baixos – imagino que não tenham tido tempo para erguer muros altos – sobre outras melhorias necessárias para suas residências, como um banheiro melhor ou telhados em vez da laje impermeabilizada.

A providência dos moradores de São José dos Campos – e imagino que em Campo Grande e Marília não será diferente - de erguerem pequenos “muros para se sentirem mais seguros” é puramente simbólica.

Nós sabemos que a garantia de segurança não é suficiente com muros pequenos, que mal protegem o terreno contra a entrada de cachorros. Hoje em dia apenas com verdadeiras muralhas, revestidas com cerca eletrônica e, se possível, com sistema de alarme e/ou câmeras, é que os moradores podem se sentir mais seguros. Contudo, se observamos em residências mais antigas (ou mesmo em cidades de menor porte, onde o problema de segurança é menor) a presença de pequenos muros em volta das casas é quase uma regra, apesar da efetiva pouca proteção que esses muros oferecem, em contraste com a residência típica dos Estados Unidos, que é aberta, com um gramado que vai até o limite da calçada.

Então, por que o brasileiro se apressa em levantar um muro para o seu terreno?

A resposta não pode ser encontrada na herança histórica das paliçadas dos colonizadores, nem no estilo de habitação das aldeias indígenas. O muro tem mais a ver com a concepção do sociólogo Roberto DaMatta sobre o limite entre “casa” e “rua”.

Ao contrário da moralidade explícita do norte-americano (sob a herança do puritanismo inglês), que não faz limite entre o acontece e deve acontecer dentro da família ou fora dela, a moralidade brasileira levanta uma distinção intransponível entre os dois âmbitos. Fora de casa, ou seja, na “rua”, o indivíduo está sujeito à moral pública, e deve se portar com a indumentária moral que a sociedade espera. Porém, em “casa”, ele é responsável pela sua própria moral. O muro representa simbolicamente a fronteira entre esses dois ambientes.

Vemos uma aplicação prática dessa distinção damattiana no julgamento popular – porque legalmente, nunca houve julgamento algum – do senador Renan Calheiros, bem distinto do que aconteceu, por exemplo, com Bill Clinton nas mãos do procurador Ken Starr.

O juízo popular contra o senador sempre foi contra a atuação do senador junto aos lobbys empresariais e, espetacularmente, à venda de suas vacas “superfaturadas”.

Mas nunca houve juízo moral sobre o fato de ter tido uma relação extraconjugal e uma filha com a jornalista Mônica Veloso. As vacas estão no ambiente pública, a “rua” – sujeitas a um julgamento público que acabou nunca acontecendo – Renan foi reeleito senador para mais um mandato de 8 anos na última eleição.

Já a relação com a jornalista – o que, ao que parece, sequer abalou o casamento do senador – pertence à “casa”, e sobre ele não cabe nenhum juízo fora de seu reinado familiar.


Um comentário:

Leandro Matias Deon disse...

Só para esclarecer:
esse gesto de Renan Calheiras com o dedo é MONTAGEM fotográfica. Não fui eu que fiz, mas utilizei para exemplificar uma parte secundária do artículo.
Ele nunca fez assim diante das fotos.

Tem alguns desocupados que fizeram essas montagens com uma série de personalidades públicas.