domingo, 31 de julho de 2011

‘Marco Zero’: pomo da discórdia

O local chamado ‘Marco Zero’ (Ground Zero), a área onde ocorreram os atentados contra o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, caminha para tornar-se um dos grandes polos mundiais da discórdia religiosa, mais ou menos como o setor onde está a cúpula do Rochedo, em Jerusalém.

A questão azedou-se há dois anos com o projeto de construção de uma mesquita e um centro cultural próximo à área do Marco Zero, iniciativa que desde cedo teve pesado apoio do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, e, por outro lado, a oposição de líderes cristãos de diversas partes do país.


O que precisamos entender sobre isso?


Para uma parcela da opinião pública, a construção de uma mesquita islâmica é bastante oportuna para mostrar que os Estados Unidos são uma nação multicultural, o que desencorajaria futuras ações terroristas de militantes radicais, dentro e fora do país, e que (por acaso) são de religião islâmica e sempre viram o WTC como um símbolo a ser destruído – até o dia em que conseguiram.


Contudo, para além de toda essa ingenuidade ‘politicamente correta’, há um duplo-padrão na atitude dessas autoridades quando ao uso do Marco Zero e suas imediações para construções com alto valor simbólico.


É preciso lembrar que Nova York é uma das cidades com metro quadrado mais valorizado no planeta e a construção de um prédio para finalidades religiosas é impossível sem o aval oficial, a eliminação de complexos entraves burocráticos, e um forte amparo financeiro, inclusive com recursos públicos – o que se choca com a Cláusula de Estabelecimento da Primeira Emenda, que há mais de 200 anos estabelece uma rigorosa separação entre o estado e a religião.


Essa situação contrasta com a situação de uma pequena igreja ortodoxa grega, situada dentro do Marco Zero (neste local desde 1916 e totalmente destruída pelo atentado de 2001). Sua reconstrução vem sendo sistematicamente bloqueada desde então pela Autoridade Portuária da cidade – que prefere usar o seu terreno como um estacionamento. O prefeito Bloomberg não tem dado nenhum apoio à reconstrução da igreja ortodoxa em seu próprio terreno original.


Na última semana, os ateus resolveram meter o bedelho no Marco Zero.


Sua intenção é remover uma cruz de 17 metros erguida recentemente no memorial do 11 de Setembro. Essa cruz, na verdade, é uma parte da estrutura original do WTC que foi encontrada por trabalhadores no meio dos escombros. Acabou se tornando um símbolo que homenageia os mortos naquele ataque. Para os ateus, porém, esse ícone representa apenas uma religião.


A cruz não é o único símbolo religioso presente no memorial. Há símbolos de religiões que representam os diferentes credos das milhares de vítimas dos atentados (que incluíam até mesmo muçulmanos). Mas os ateus, até o presente momento, só querem derrubar a cruz.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Breivik e o 'fundamentalismo cristão'

‘Fundamentalista’ é um termo pejorativo que quase ninguém sabe dizer com certeza o que é. 

Por esse motivo, muita gente vem se sentindo livre para criar conceito extremamente criativos para se definir o que é o fundamentalismo, desde que se mantenha a propósito de retratar um perfil o mais desagradável possível.

Foi assim que o assassino norueguês Anders Behrig Breivik, que matou mais de 76 pessoas em Oslo, foi chamado pela mídia de várias países como um ‘cristão fundamentalista’.

De fato, Breivik segue um ideário pitoresco que procura restaurar a Europa ‘cristã’ como contraponto à presença cada vez maior de muçulmanos em seu país. Contudo, essa identificação ao cristianismo é exclusivamente cultural e não envolve nenhum elemento de fé cristã. Foi um tremendo exagero (mal intencionado, talvez) rotula-lo como um ‘fundamentalista’.

Vejamos algumas considerações do próprio Breivik, obtidas com a leitura mais detalhada de seus escritos:

1. Breivik não se considera um religioso. "Não vou fingir que sou uma pessoa profundamente religiosa, pois isso seria mentira. Sempre fui muito pragmático e influenciado pelo ambiente secular em que vivo". Ele também afirma que tem fortalecido suas convicções através da meditação e da prática de rituais.
Já o cristão fundamentalista é uma pessoa religiosa, e que procura resistir ao ambiente secular. O cristão reforça sua fé através da oração e do jejum.

2. Breivik não considera necessário um relacionamento pessoal com Deus para ser cristão, e ele próprio tem dúvidas sobre a existência de Deus. "Sou em primeiro lugar um homem de lógica". Sua concepção de Europa cristã não exige nenhum elemento de fé cristã; até mesmo um ateu que preserve o legado cultural cristão corresponderia às exigências de Breivik: "Você não precisa ter um relacionamento pessoal com Deus ou Jesus para lutar por nossa herança cultural cristã. Basta que você seja um agnóstico cristão ou ateu cristão".
O cristão, ainda mais se for fundamentalista, não tem dúvida acerca da existência de Deus.

3. Breivik louva Charles Darwin e defende a teoria da evolução nos pontos em que esta contradiz a Bíblia. "Quanto à Igreja e à ciência, é essencial que a ciência tenha uma prioridade indiscutível sobre os ensinos da Bíblia".
O cristão fundamentalista crê na Bíblia; é muito comum, em certos círculos, a rejeição ao evolucionismo biológico.

4. Breivik defende a adoção de uma agenda fortemente pró-homossexual para a Europa, como parte de um programa para a consolidação de valores seculares para o continente.
Já os cristãos fundamentalistas entendem que o homossexualismo é pecado, e são contrários à agenda homossexualista.

5. Breivik defende que as igrejas protestantes se auto-dissolvam e voltem ao catolicismo. "São necessárias inciativas para facilitar a desconstrução das igrejas protestantes, cujos membros devem se converter de volta ao catolicismo".
Os cristãos fundamentalistas rejeitam qualquer aproximação com o catolicismo.

6. Breivik afirma ser integrante de uma ordem de cavaleiros Templários, cujos antecedentes são evocados historicamente como a origem da moderna maçonaria. O próprio Breivik proclamou-se ser maçom, e cometeu o massacre vestindo paramentos maçônicos.
Os cristãos fundamentalistas consideram a maçonaria como levemente satânica.

7. Breivik critica asperamente o fundamentalismo cristão e deixa bem claro que não é essa a Europa que ele e seu grupo querem. "Portanto, é essencial entender a diferença entre uma 'teocracia fundamentalista cristã' (tudo o que não queremos) e uma sociedade europeia secular baseada em nossa herança cultural cristã (o que queremos)." Ele entende que o iluminismo e o secularismo são uma continuidade do cristianismo cultural, e não como algo que se opõe à herança cristã.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Você ainda vai ter uma lei só sua

A cobertura da mídia sobre o incidente em que pai e filho foram agredidos por um grupo que os confundiu com homossexuais em uma feira em São João da Boa Vista (SP) foi geralmente completada pelo seguinte comentário: “E ainda não existe uma lei contra a homofobia”.

Esse comentário induz claramente no ouvinte ou no leitor a seguinte conclusão inevitável: “Então deveria existir essa lei...”. Qualquer um irá concordar que se trata de uma violação brutal à integridade física de duas pessoas, desconhecidas por esse grupo, que agiu movido por um sentimento ainda não bem explicado de ódio ou preconceito. Até esse ponto não há nenhuma discordância.

O erro está em inferir a necessidade de um agravante adicional ao motivo que gera o preconceito (nesse caso, impropriamente, já que as vítimas nem eram homossexuais). A punição contra agressores físicos já é prevista na mesma lei que protege todo e qualquer cidadão contra violações à sua integridade individual. Não se pode afirmar previamente que os agressores serão punidos segundo os procedimentos abertos na Justiça. Porém, que lei existe, existe.

Porém, se cada tipo de agressão praticada exigir uma lei adicional que enfatize a sua motivação (talvez de modo a saciar os sentimentos que a mídia desperta na própria sociedade), teríamos que pensar em leis específicas contra todo grupo que for atingido por algum tipo de agressão imotivada (obesos, magros, altos, magros, religiosos, não-religiosos, etc). A facilitação de cada uma lei dependeria apenas na mobilização de cada um desses grupos, para convencer a sociedade que a agressão que sofre é mais injusta que a dos demais.

Fatalmente, a sociedade seria dividida entre "protegidos" (sob guarida apenas da lei geral) e "superprotegidos" (sob guarida da lei geral e mais uma específica). É fácil entender porque essa questão sai do campo do direito e emerge no campo político.