domingo, 19 de setembro de 2010

Entrevista: “Temos Sakinehs cristãs pelo mundo”

Reproduzimos a entrevista com a jornalista Barbara Baker, da agência Compass Direct, a André Lobato, da Folha de S. Paulo, edição de 11 de setembro de 2010.

Sakineh Ashtiani é uma mulher de 42 anos condenada a morte no Irã, o que tem provocado protestos de vários outros países, inclusive do Brasil, para que a pena não seja aplicada. Para a jornalista norte-americana, casos similares têm acontecido em todo o mundo islâmico envolvendo perseguições a minorias cristãs, tanto de forma oficial (como ocorre na Arábia Saudita) como não oficial (na Turquia), e que dificilmente atraem a atenção dos governos do resto do mundo.


FOLHA- Como alguém em uma sociedade muçulmana decide se tornar cristão?

BARBARA BAKER- Bom, primeiro por que é permitido. Acho que a Turquia é o único país de maioria muçulmana em que você pode mudar de religião – que fica impressa na carteira de identidade. E como é uma sociedade ocidentalizada, muitos já viveram na Europa, aprendem sobre o cristianismo e comparam. Uma família que se torna cristã reza junto, no islã homens e mulheres são separados. Para muitas partes da sociedade não é um problema, uma garota pode virar para os pais e dizer: 'virei cristã'. Mas em vilarejos seria um grande perigo.

FOLHA- Você acha que um padre é mais aberto ao questionamento?

BAKER -Do que um mulema ou imã, sim. Tem muito mais ênfase em ler a Bíblia na cristandade do que na Turquia. O Alcorão é em árabe e as traduções não são as palavras inspiradoras de Allah. Meu locador me disse: “Nunca vou aprender árabe, então serei sempre um muçulmano de segunda classe”. Isso é uma diferença, a Bíblia é traduzida e existe um convite conjunto a todos os que têm fé a descobrirem juntos o que significa.

FOLHA- Que tipo de coisas acontecem ainda hoje na Turquia?

BAKER- Lembro que logo que cheguei houve um caso de cristãos que foram presos e apanharam muito. Trabalhava numa agência de direitos humanos e meu editor disse que se eu tivesse documentos ele publicaria. Lembro de receber ligações durante nosso fechamento com vários cristãos dizendo “publique, queremos aparecer na história, é nosso direito constitucional”. E os quatro casos ganharam facilmente na Justiça. Depois disso, muitos me ligavam quando eram presos. Uma vez no meu aniversario recebi uma festa com vários dos cristãos que eu havia visitado na prisão. Um casal de amigos foi preso na festa de casamento. E ficaram presos por uma semana apanhando.

FOLHA - Sua experiência é mais na Turquia, mas você conhece a situação em outros lugares?

BAKER- Eu viajei repetidas vezes pelo Oriente Médio, África, Sudão, Ásia Central.

FOLHA- Você poderia nos levar para um passeio nessa região?

BAKER- Nos últimos 20 anos tenho viajado a cada quatro, seis semanas.
Em muitos desses lugares, se os vizinhos querem seduzir ou sequestrar as filhas de um cristão, não há muito o que ele possa fazer. As leis estão todas do lado da lei islâmica.

FOLHA- O Pew Forum tem um mapa interessante que mostra a intolerância religiosa das leis e das sociedades em diferentes países. Como são as coisas na Índia e China?

BAKER - Na Índia acho que o principal problema são os nacionalistas hindus. Não apareciam muito nas nossas notícias, mas de uns sete anos para cá aparecem tantas vezes que algumas pessoas pensavam que éramos uma agência indiana. Na China eles estão acostumados com a perseguição. Era contra o Estado acreditar em Deus. Era normal a prisão quase “qualificar” alguém a ser padre. Mas em países assim, como Irã e Arábia Saudita, há versões do Novo Testamento na internet.

FOLHA- Mas você pode construir uma igreja na China.

BAKER - Ano passado construíram uma megaigreja. Mas ficou com tantos serviços todo domingo que, sem aviso, as autoridades vieram e demoliram tudo.
Os perseguidores podem ser o Estado, um grupo político ou até mesmo outros cristãos.

FOLHA- E entre cristãos?

BAKER- No Líbano tivemos um bispo católico que, tão dentro de suas memórias, resolveu derrubar uma igreja protestante. No Sudão, por exemplo, os heróis são os padres católicos, que resistiram contra a pressão do governo. E Ortodoxos no Egito, por exemplo.

FOLHA - Então, em vários países, a radicalização contra cristãos aumentou?

BAKER- Sim. Veja na Turquia, são ultranacionalistas islâmicos. Na Turquia vem dos nacionalistas. Nos últimos cinco anos, tivemos seis assassinatos realmente chocantes. Um padre, um jornalista armênio, dois turcos que convertidos e um alemão. Isso chocou a Turquia, por que os torturaram por várias horas e cortaram suas gargantas. E ficaram particularmente furiosos com os que haviam se convertido. E em junho deste ano o bispo líder católico foi morto por um sujeito que o esfaqueou até a morte gritando Allah. Os turcos não sabem o que fazer com isso. Esses três tiveram um dos maiores enterros de cristãos que já aconteceu no Oriente Médio. Quase 250 mil turcos muçulmanos andaram do lugar onde eles foram mortos até a catedral armena. E sua viúva disse as palavras de Cristo, “Pai, perdoai-vos por que eles não sabem o que fazem”, e disse que perdoava o assassino. As viúvas o perdoaram. Um jornalista turco disse: “Isso é mais forte do que mil missionários trabalhando na Turquia por mil anos”. Por que é uma cultura da vingança, e eles não conseguem entender.

FOLHA - Sobre a cultura da vingança, você acha que é algo do momento?

BAKER - Acho que fanáticos muçulmanos estão usando a religião e eles podem encontrar algumas referências úteis no livro. Eu não acho que meus vizinhos turcos são do tipo que querem me matar. Mas não sei o que eles pensam. Eles tentaram que eu virasse uma muçulmana porque é a última religião. O islã e o cristianismo são as duas únicas grandes religiões que querem converter as pessoas. O que dá muita notícia na Turquia é quando um cristão vira muçulmano. Como ocorreu no velório de um dos ativistas da flotilha de Gaza.

FOLHA- Seria como um choque entre duas religiões que querem converter a todos. Como cristã você quer evangelizar?

BAKER- Meu sentido é o de perdão, e essa é a maior relação com Deus que eu posso ter. Eu sei que meus amigos turcos não acreditam que isso é possível. Por que é impossível ter certeza, no islã, de que ao cruzar aquela ponte você vai cair no inferno ou não. Só Deus pode saber. Eles acham que é arrogância dos cristãos pensarem que podem realmente saber. Mas eles não podem negar que eu experimento a paz. Eu os respeito. Talvez eles achem que eu sou cega por ter essa falsa certeza. Mas eu realmente acho que não, por que eles sabem que o nos guia no cristianismo não é a culpa, mas a resposta ao amor. Por que Deus sabia da minha inabilidade de merecer meu caminho no céu e se dispôs a tomar a pena em meu lugar.

FOLHA - Sobre esse choque, às vezes dá a impressão de que as pessoas estão se sentindo tão pressionadas pelo Ocidente que pedem para uma religião forte o suficiente que lhes de autonomia, proteção.

BAKER- Na Turquia o Estado é secular. Como posso acreditar em democracia e direitos humanos e em um Estado secular que não impõe religião a ninguém. Se sou um bom muçulmano, quero que eles se juntem.

FOLHA- Há casos de intolerância no Brasil em que cristãos acusam religiões afro-brasileiras de serem o demônio. Deve ser difícil acreditar em uma verdade e conviver com quem é o demônio. Será que isso não ocorre com o islã e o cristianismo: os modelos mentais não podem conviver no mesmo território?

BAKER- Não acho que isso seja totalmente verdade. Não precisa ser. Tem de haver amor e respeito por outro ser humano. Que é o que aconteceu com os homens que foram mortos na Turquia. Eles eram gentis, não gritavam pelas ruas. Um deles tinha memorizado o Alcorão. Ele tinha muito respeito. Mas encontrou em Jesus amor e respeito. Não acho que deva haver esse choque, do tipo violento. Eu me lembro que a Tchetchênia foi o primeiro lugar em que escrevi sobre onde as pessoas estavam sendo decapitadas por causa de religião. E acho que isso possa ter acontecido há séculos atrás, eu não sei, por pessoas que se chamavam de cristãs e que queriam estender a religião. Mas não poderia ter acontecido por alguém que realmente entendeu as palavras de Jesus, por que é um convite, e não uma obrigação. Acho que há muita falta de compreensão.
Vemos em Nova York um projeto de construção de uma mesquita no Ground Zero . Há pessoas que vão as ruas e dizem não, vocês são terroristas. Isso é um extremo. Hoje vivo mais tempo no Oriente Médio do que nos EUA. E quando saí dos EUA não havia nenhuma mesquita em meu Estado, Oregon. O que eu vejo que é um pouco de cegueira do mundo islâmico. Não há nenhum compromisso com reciprocidade. A Arábia Saudita vai algum dia permitir que uma igreja seja construída lá? Não. Isso seria uma violação da terra santa do islã. Mas eles têm mesquitas por todo o Ocidente. E eles ativamente convertem, especialmente mulheres americanas, a se casarem com muçulmanos. E elas são mais religiosas que os muçulmanos comuns. E por que alguns são extremistas, ficam com o nome sujo. Eu vi, por exemplo, como os americanos ficaram furiosos com os iranianos depois da revolução e a crise dos reféns.

FOLHA- Mas qual é seu ponto em relação à mesquita?

BAKER- Entendo por que patriotas americanos estão chateados. Mas não acho o tema tão importante. E o que é, é a verdadeira liberdade religiosa, em todas as partes, em todos os lados. Há países construídos sobre liberdade religiosa. Como Brasil e EUA. Os que não o são, deveriam dar esse tipo de liberdade também?
Acho que próximo do direito à vida, é um dos mais importantes para o ser humano. Uma vez conversei com um juiz do Egito que achava que não fazia sentido obrigar alguém a ficar no islã. Mas tinham guardas o protegendo, por que a Irmandade Muçulmana não gostava do que ele dizia.

FOLHA- Então o Ocidente é muito tolerante com a intolerância religiosa?

BAKER- Eu não diria... Acho que são ingênuos. Há um tempo conversei muito com um líder paquistanês sobre o mundo muçulmano e seu objetivo de conquistar o mundo. Ele disse que estavam nessa direção. Havia alguns problemas na Argélia, por causa das guerras e matanças. E disse: “Isso não nos faz ficar bem mais ainda sim nós chegaremos ao poder na Argélia, Turquia, demorará mais tempo, teremos que ir devagar, mas chegaremos ao poder”. Me chocam as notícias que leio do meu próprio país. Dois evangélicos que largaram as drogas e estão compartilhando sua fé na praia. Um cara se sente irritado e dá um tiro na cabeça deles. Faz alguns meses. Se fosse no mundo muçulmano eles estariam derrubando igrejas. Mas nem teve cobertura alguma na mídia americana. Em Detroit, há pouco tempo, dois caras foram presos por tentarem evangelizar em uma festa da comunidade árabe. A polícia disse que estavam sendo inoportunos. Isso é América ou o quê? Ser politicamente correto é ir para o outro lado: temos que ser muito cuidadosos pois os muçulmanos podem ficar bravos. A decisão Suíça sobre os minaretes... Naquela mesma semana na Turquia um cara foi a uma igreja ortodoxa e ameaçou de morte o padre caso ele não derrubasse um sino que está lá há séculos.

FOLHA -O Ocidente é muito frágil em defender sua história como sociedade cristã?

BAKER- Não pode mais ser chamada de sociedade cristã. Tem raízes judaico-cristãs. Uma vez um padre muito sábio me disse que é impossível ter diálogo efetivo se você é inseguro em relação a suas próprias crenças. Na Turquia é muito interessante conversar com ulemas e imãs que realmente sabem o que o livro diz. Tão poucos sabem. A maneira como as religiões se relacionam muda ao longo da história. Judeus já foram melhor tratados entre muçulmanos do que entre cristãos. A liberdade religiosa é possível? É possível mas um pouco sobrenatural. É preciso ter o espírito do perdão. Conheci um homem que se converteu na prisão. Seu irmão ficou mais aborrecido dele ter se convertido do que ter sido parte da jihad. Você não estranharia a conversão ao islã de um cristão que frequenta a igreja todo domingo? Uma vez conheci uma americana que casou com um paquistanês e se converteu ao islã. Ela disse que ser católica não trouxe nada para ela. Aí me ocorreu de perguntar se ela era realmente lia a bíblia, se realmente conheceu Jesus. E ela admitiu que ia a igreja uma vez por ano. Então para mim existe o cristianismo folclórico como existe o islã folclórico, que tem muita superstição. O típico americano diria que é um cristão ou nada. Tem uma diferença entre quem frequenta a igreja e tem uma relação pessoal com Jesus.

FOLHA- A perseguição aos cristãos é diferente quando falamos de Estados ateus? Perseguem todas as religiões igualmente?

BAKER- Não complemente. Comunismo e marxismo se deram conta muito cedo de que a Igreja era uma ameaça por que eles colocariam Deus acima do Estado. Mas eles não perseguem todas as religiões igualmente.
Há um verso no Alcorão que diz que é válido mentir se isso serve ao propósito. Mas um cristão diria, eu enfrentarei as consequências de falar a verdade, nunca é honroso a Deus mentir. Então eu descobri que em algumas culturas islâmicas que eles não querem enfrentar os governos. Não vou dizer que é sempre o caso. Claro que há vários islâmicos aprisionados por terem ameaçado o governo.

FOLHA- Você é jornalista e tem uma bandeira. Você cobre sua própria tendência.

BAKER- Eu não ataco nenhuma religião. Quero ser o mais precisa possível. Mas sei que tenho uma tendência. Quando me dizem que são imparciais eu digo, isso é impossível. Eu tenho o foco nos cristãos, mas quando vejo, por exemplo, o caso dos armadis, que são muçulmanos perseguidos, também publico.
Lembro quando um evangélico ouviu do diretor da televisão em que trabalhava de que não poderia ser imparcial por sua religião, e ele respondeu: “E você, não votou na última eleição?” Sobre o caso Sakineh, teve muita crítica interna na Turquia, questionando por que o Brasil e não a Turquia, que está ao lado, tem que fazer isso. Embora muitos não gostem de que não haja mais pena de morte lá, por que o líder curdo está na prisão opinando nos assuntos curdos e muitos gostariam que ele já tivesse ido. Mas nunca concordariam com o apedrejamento.

FOLHA- Há 'sakinehs' cristãs ao redor do mundo?

BAKER - Temos um problema terrível de morte por honra no interior da Turquia. Seja os que matam as próprias filhas ou os que as forçam a cometer suicídio. Por que o simples ato de paquerar um menino na escola pode destruir a honra de uma família. Uma mulher que escreveu um livro sobre o assunto mostrou que muitas vezes as mortes não são baseadas em fatos. Não acho que com apedrejamento. Mas sei que na Somália isso está acontecendo. Somalis que viram cristãos são decapitados. O chefe de nosso escritório da África viu isso acontecer. Isso já aconteceu na Arábia Saudita.

FOLHA- Você acredita que Obama seja um muçulmano?

BAKER- Não acredito que ele seja um muçulmano, mas também não sei se ele é um cristão devoto. Não cabe a mim. Eu não fico surpresa que muitas pessoas pensem isso, por causa do pai dele e do nome Houssein. Muitos dos cristãos de direita dos EUA estão muito chateados por ele aparentemente agradar muçulmanos, como com a mesquita no Ground Zero. Mas também eu não concordava muito com o que o Bush dizia. E, apesar dele ter chamado o Islã de uma religião da paz, para o mundo muçulmano ele os atacou em nome dos cristãos.

FOLHA- Obama é amigo de mais do islã?

BAKER- Ele quer ser. Seu primeiro discurso foi em Istambul, para o mundo muçulmano. Ele quer retirar as conotações religiosas, o que é muito difícil pois as sociedades islâmicas são muito religiosas, em oposição a América, tentando ser mais secular. E mesmo que tenhamos uma comunidade religiosa conservadora muito forte, o modelo mental do governo é muito diferente. Encontrei pessoas de embaixadas americanas por todo o mundo e eles são muito antirreligiosos. Não vivem numa sociedade religiosa e não sabem como é. Esse paquistanês que disse que o islã vai dominar o mundo, será uma vitória para a lei islâmica? Eu não sei quantos muçulmanos querem viver sobre a sharia. Mas não vejo um grande fluxo de pessoas indo viver na Arábia Saudita por suas normas extremamente restritas e sua maneira de se vestir. Um amigo foi preso lá por alguns meses sob a acusação de converter algumas pessoas. Ele disse que havia de 75 a 10 mil cristãos lá, mas eles não vão contar a ninguém que são cristãos, por que podem ser executados. Conheço um paquistanês que se converteu e fugiu para a Coreia, foram até lá e o mataram. Mas há cristãos que entram na Justiça, por exemplo no Egito, para afirmar seu direito de mudar de religião.

FOLHA- Você acha que guerras como do Iraque e do Afeganistão deram poder aos intolerantes?

BAKER- Acho que era nossa de obrigação e direito como americanos dar uma resposta direta para essas pessoas que nos atacaram de uma maneira tão horrível. Mas o resultado foi muito custoso para os cristãos nessa parte do mundo. Por que as ações do Exército americano são vistas como um ataque dos cristãos. Ficou muito, muito difícil para os cristãos. Fico muito triste de ouvir que cristãos, que eu chamaria de fanáticos, planejam queimar o Alcorão. Alguns fazem isso em resposta a mesquita do Ground Zero. E muitos cristãos americanos estão contra isso e dizem: “Vocês percebem que imediatamente eles vão atacar igrejas e matar cristãos em vingança?”. É tão ridículo e atrasado. É um efeito boomerang. É uma falta de compreensão de princípios básicos da cristandade. Já expliquei a vários muçulmanos, “você tem ideia o quão é uma blasfêmia para dizer você dizer que Jesus Cristo era apenas um profeta”? Por que ou ele era mentiroso, louco ou era Deus. Eles dizem que Deus permitiu a cristandade existir para fazer a revelação final depois. Mas eles não se dão conta de a Bíblia e o Alcorão não concordam em muitas coisas. Para mim, é blasfêmia. E eu não vou queimar uma mesquita por causa disso.

FOLHA- Você acredita que a tolerância religiosa depende de aceitar blasfêmias, como que Jesus é só um profeta?

BAKER- Isso não atinge a minha fé. Eu entendo quem pensa assim, mas não vou ficar com raiva.

FOLHA- Mas não há partes na Bíblia ou no Alcorão que pede para você vingar seu Deus?

BAKER- Na Bíblia não. Por que como disse uma das viúvas na Turquia, é que “uma das maiores vinganças é ver aqueles que mataram meu marido virem a Jesus”. Eles vão ter três sentenças de vida consecutivas. E a viúva criando seus filhos sozinha disse que se sentia mal por eles. Ela pediu para visitá-los e as autoridades não deixaram. As crianças disseram na imprensa Turca: queremos levar uma Bíblia para eles, que poderão ir para o céu e dizer “desculpa papai”.

domingo, 25 de abril de 2010

O dia em que Deus brincou com Dawkins

Repare nas duas crianças sorridentes na imagem ao lado. São filhos de cristãos evangélicos, educados sob princípios bíblicos e possivelmente até frequentam a escola bíblica dominical.

No entanto, não podem ser chamadas de “crianças cristãs”. É porque seus rostos acabaram sendo utilizados como parte de uma intensa campanha publicitária dirigida pela Associação Humanista Britânica (BHA), aquela dos "ônibus ateus", com apoio do militante Richard Dawkins.

O objetivo da campanha, que tem como título “Por favor, não me rotule. Deixe-me crescer e escolher por mim mesmo”, é não apenas inibir o ensino da religião no ambiente familiar, mas considerar que cada criança tenha autonomia, a seu tempo, para escolher suas crenças, o que começaria por não “encaixá-las” (seja pelas escolas ou em estatísticas) na mesma crença de seus respectivos pais. Segundo Dawkins

Nenhuma pessoa descreveria honestamente uma criança pequena como ‘criança marxista’, ‘criança anarquista’ ou ‘criança pós-modernista’. Contudo, as crianças são comumente rotuladas com a religião de seus pais. Nós precisamos encorajar as pessoas a pensarem cuidadosamente antes de rotularem uma criança muito jovem para saber quais suas opiniões próprias e quais ensinos dos adultos as levaram a isso”

É muito justa a preocupação de Dawkins. A rotulação (labelling, que ele comparou à “lavagem cerebral”) não faz o menor sentido em crianças muito pequenas que ainda não chegaram ao estágio de fazer suas próprias escolhas. Nós não devemos rotular as pessoas – apenas Dawkins é que pode.

O esforço da BHA insere-se no que eles mesmos chamam de “desdoutrinação” da sociedade, que é uma tentativa de eliminar do sistema educacional público e da mídia os últimos resquícios de ensinamentos teístas, ou, ao menos, equipará-los aos contos de fadas. Pelo menos essa tem sido a preocupação dos seus “acampamentos de verão” para crianças... ateístas (!), o que revela que a preocupação de Dawkins com a rotulação religiosa comporta uma honorável exceção ao que ele ensina e a quem ele ensina.

Para ser menos hipócrita, talvez seja melhor para Dawkins utilizar com cuidado o termo “lavagem cerebral” e a BHA se preocupar mais com os efeitos de sua campanha sobre a educação familiar. Uso de drogas: deixar que escolham por si mesmas? Podem os pais, em nome da autonomia dos filhos, deixar que se comportem na mesa como quiserem, escolham (se quiserem) o horário de estudo, e aprendam sozinhos a noção do que é certo e o que é errado?

Obviamente, responderão que não, e que é apenas a escolha ou não-escolha da religião é que deve ser postergada para a idade adulta. Acontece, porém, que as crianças (assim como todas as pessoas) estão expostas permanentemente a ensinos e opiniões que procedem ou induzem a crenças relacionadas à religião – ou à sua contrapartida humanista. Assim, por exemplo, uma história real ou fictícia apresentada pela mídia incentivando a sexualidade precoce, a curiosidade por extraterrestres ou o consumo sem limites acaba influenciando as pessoas de qualquer idade em temas que tem ligação com a religião. No entanto, a campanha do BHA não pensa em coibir essa interferência, e sim apenas em que retirar os pais desses temas aos quais estão expostos diariamente.

Por isso, é insensato admitir que a mídia, a escola ou os acampamentos de Dawkins tenham o direito de influenciar, enquanto as famílias não. Desse jeito, terão que proibir que músicas religiosas sejam tocadas dentro das casas, que crianças sejam levadas à escola dominical, ou que os pais façam oração na frente dos filhos? São implicações básicas e inevitáveis que a campanha da BHA parece não ter sequer se preocupado.

Além do mais, quando um pai simplesmente menciona que acredita em Deus (ou que não é acredita), sem qualquer imposição ou doutrinação, já é uma forma de transferir essa convicção ao filho, até mesmo inconscientemente.

Em termos práticos, a campanha do BHA é absolutamente irreal.

“Educa a criança no caminho em que deve andar”

Muitos ateístas afirmam que a maioria dos que são religiosos se tornaram assim porque tiveram uma educação religiosa na infância e que, sem essa, muito mais pessoas teriam se tornado ateístas.

Essa afirmação pode ser verdade, mas não é atual. Há já um bom tempo a sociedade é (ao menos nos grandes centros) permissiva quanto à liberdade de escolha das pessoas, mesmo contrariando as tradições familiares. É muito comum que adolescentes formem suas opiniões ateístas por volta dos 13-14 anos e anos depois retornem à crença de seus pais, porém com mais convicção.

O testemunho vale mais do que muitas pregações. De nada adianta um pai intitular-se cristão e querer que o filho também seja cristão se ter uma vida pessoal diferente da que um cristão deve demonstrar. Nesse caso, todo o ensinamento pode ter justamente o efeito contrário. Ninguém conhece melhor uma pessoa do que os membros da sua própria família, e essa sim que deve ser a preocupação de todo o pai ou mãe, antes ainda de ensinar os primeiros conceitos sobre a existência de Deus e da salvação em Cristo.

Uma das passagens mais bonitas do Novo Testamento é aquela em que Paulo e Silas estavam presos em Filipos e, na mesma noite (enquanto cantavam hinos), ocorreu um terremoto que destruiu as trancas da prisão e todos os presos acabaram fugindo. No entanto, o carcereiro tinha recebido ordens para que cuidasse dos dois e pretendeu se matar por temer a punição certa de seus superiores. Então Paulo e Silas apareceram para mostrar que não fugiram, porque isso iria levar à sua punição pelos magistrados. Naquele momento, o carcereiro pediu o que seria necessário para se salvar.

Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa” (At 16.31). Então ele os levou para sua mesa, e “na sua crença em Deus, alegrou-se com toda a sua casa” (At 16.34). Com alegria, ele e todos os seus filhos foram batizados.

Na campanha da BHA, as fotos das crianças foram selecionadas em um banco de imagens mantido por uma agência. E a escolha recaiu sobre Charlotte (8 anos) e Ollie (7 anos), filhos de Brad Mason, componente de um dos mais populares conjuntos musicais evangélicos da Grã-Bretanha, que até ficou bastante envaidecido com a campanha: “É engraçado, porque obviamente eles estavam procurando imagens de crianças que pareciam felizes e livres. E aconteceu de escolherem crianças que são cristãs. É irônico.”

Leia a notícia

“Crianças utilizadas no anúncio ateísta de Richard Dawkins são evangélicas” em http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/faith/article6925781.ece

domingo, 4 de abril de 2010

Para salvar o que se havia perdido

Quando algumas pessoas reclamam que a pregação do Evangelho se preocupa muito com os bêbados, drogados ou presidiários, costumo responder que Cristo veio “salvar o que se havia perdido” (Mat 18.11).

Na realidade, é uma resposta-padrão.

Como cidadãos imersos em uma sociedade secular, ainda não compreendemos integralmente o que é “ir” em busca do perdido. Nosso foco ainda é a edificação da imagem de um grupo vistoso na sociedade para que esta, vendo o bom exemplo, venha a seguir nossos passos.

Ir em busca dos perdidos, descer aos presídios e becos, é algo que muitas lideranças da Igreja estão plenamente dispostas a ir, mas desde que sem sujar as mãos...

Em nosso mundo, o que (ou quem) é o perdido?

Buscando uma resposta para essa questão, me lembrei do testemunho de Luiz Carlos Clay, que esteve em minha cidade há uns 3 anos, e sabe muito bem o que estar perdido.

Para quem não conhece, Clay foi um dos grandes nomes da Jovem Guarda, que fez um grande sucesso no final dos anos 60 e início dos anos 70.

Porém, mais que o declínio da Jovem Guarda, o que afundou sua carreira foi o alcoolismo, que minou toda a sua vida social, retirou a família de seu contato e finalmente o colocou várias vezes no “fundo do poço”.

Sabem a música “Garçom” do Reginaldo Rossi? O bêbado era ele...

Na verdade destruí tudo; joguei tudo fora; perdi o dinheiro; perdi o respeito de todo o mundo; perdi o rumo...”

Então, um dia, quando o vício do álcool lhe fazia tudo parecer sem esperança, Luiz Carlos Clay teve seu primeiro contato com o “ópio”.

O ópio que me refiro aqui é o “ópio do povo”.

Como filho de pai comunista – recebera seu nome como homenagem ao secretário-geral do PCB – Clay aprendeu em casa que Deus era uma ilusão e que TUDO é possível pela vontade do próprio homem. Quando quisesse, era só decidir largar a bebida e restaurar tudo novamente: família, carreira, dignidade...

O problema é que Clay nunca decidia parar de beber.

Que força é essa superior ao homem que o fazia rodopiar em torno de si mesmo?

Há uma força superior ao potencial humano, superior à bebida e superior até mesmo à nossa pretensão de elevar diante do mundo Igreja impoluta, moderada, bem sustentada doutrinariamente e moralmente estável.

Dentro de uma ordem brutalmente secularista, o mundo espera que a Igreja cumpra ainda mais a sua função de recolher os “restos” da sociedade a fim de torná-la mais homogênea e não que vá se intrometer chamando a torto e a direito as pessoas de perdidas ou que precisam de uma salvação que não está ao seu alcance.

É a tese de uma Igreja “terapêutica”, que é apenas tolerada enquanto cumpre essa função que o século lhe designa – mas que tem que ser afastada quando tenta interferir na vida de pessoas cujo potencial humano lhe pareça mais bem sucedido do que os bêbados das ruas ou os drogados e meliantes dos becos.

Diante de críticas cada vez mais exasperadas, a Igreja costuma se recolher na pequenez de teologias minimalistas, na certeza (que não deveríamos ter) de que a justiça ou a salvação são previamente espelhadas em ações de mérito, que são (sem qualquer coincidência) exatamente aquelas que o mundo espera que a Igreja cumpra. E nada além disso...

Corremos atrás dos Cornélios, enquanto fugimos das Madalenas.

E os perdidos?

Os perdidos estão aí, profundamente confiantes em seu potencial humano inesgotável.

Claro que não me refiro aos bêbados ou drogados – estes estão mais próximos de reconhecerem seus verdadeiros limites – mas aos perdidos que a sociedade toma por exemplares, confiantes na eternidade da sua beleza física, na segurança da sua fortuna, ou na sabedoria de sua formação intelectual.

Da mesma forma que encontrarmos os bêbados de manhã, dormindo na calçada (porque estão tranquilos – entendem perfeitamente que, quando e se quiserem, saem do vício que os derruba na rua e voltam à vida sadia), vemos os não-perdidos embriagados no saber e nas conquistas espetaculares da humanidade presente subindo nos púlpitos, escrevendo livros ou enviando mensagens edificantes em seus blogues “livres” da alienação religiosa.

Todos dormem indefinidamente.

Além do mais, se cutucarmos esses bêbados, soltam alguns palavrões (geralmente por e-mail) e reclamam de por quê um “alienado” qualquer vem interromper seu sono. Ou até (os mais enfiados no vício) pedem dinheiro para permanecerem bêbados.

Sim, quem coloca sua fé no potencial humano caminha irremediavelmente para um fim que não é nada agradável. Diante de Deus, o mais culto e bem sucedido dos homens é como um tolo, que não sabe para onde vai (Prov 10.21).

Mas, se não fosse por Cristo, todos seríamos os perdidos.

Na parábola do Filho Pródigo (Luc 15. 11-32), o pai festeja a volta do filho que se perdera e gastara toda a fortuna da família. Não importa o prejuízo que causou, a vergonha na família ou mesmo a sensação de injustiça com outros irmãos. Há muita alegria quando aquele que se havia perdido reencontra o caminho com Deus.

Há parábolas de Jesus que estão se repetindo hoje em dia, e isso vem fortalecer a nossa certeza de que Deus está oferecendo uma nova chance a todos aqueles que, achando-se capazes de tudo, caíram em vícios mais fortes do que eles – bem como aos outros, que acham que não tem vício nenhum.

A propósito, o que aconteceu com Clay?

Quando Clay perguntou a si mesmo que força é essa que era maior que ele, foi buscar amparo na presença do pai que, apesar de filosoficamente materialista, sempre foi um homem íntegro e dedicado à família. Trazia as marcas físicas da tortura política e seus filhos jamais o tinham visto bêbado. Só que agora, “curado” do ateísmo, o estava esperando com a uma Bíblia na mão.

Luiz Carlos Clay ainda brigou com Deus mais algum tempo. Mas quando Deus tem um propósito na vida de alguém, os anos se passam até que o chamado vem quando a resposta está pronta para ser “sim”.

Deus restaurou a minha vida. Quer saber o que aconteceu comigo? Eu nunca mais bebi!

Se a fé é um vício, como pode vencer outro vício?

Vence, porque dos becos da cidade ou dos presídios, as mãos podem voltar sujas, mas as almas voltam limpas. Os perdidos que resgatamos são apenas pessoas que acabarem de experimentar o amargo da existência e por isso já conhecem o que teremos ainda duras provas para poder conhecer, que é o ponto em que nossa força de vontade individual bate em um absurdo incontrolável e nos afunda em contradições.

Para todos, é apenas uma questão de tempo.

Mas algo muito mais forte nos espera, quando nós mesmos nos reconhecermos como perdidos e sentirmos o peso da humilhação de nossos próprios fracassos e falta de sabedoria. Para sermos despertados desse sono, basta que alguém nos bata à porta.

“Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrarei; batei, e abrir-se-vos-á” (Mat 7.7)