quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Templos de pedra, cimento e fé

Alguns blogs que acompanho reproduziram trechos da reportagem da revista Época que tratou dos “megatemplos” católicos ou evangélicos em construção no país, o que para a revista seria uma mostra da força do cristianismo brasileiro.
Na realidade, esse tipo de reportagem é sazonal. Todo final de ano, na edição que precede ao Natal, as grandes revistas brasileiras publicam alguma reportagem (ora positiva, ora negativa) sobre Jesus Cristo, Igreja ou algum tema relacionado à religião, e que solenemente é deixado de lado no restante do ano. Menos mal, considerando que o Natal é um período de concorrência atroz entre o Cristo da manjedoura e o Papai Noel das lojas e promoções.
Contudo, essa reportagem me fez lembrar de um filme que assisti há algum tempo, Stigmata (1999) – é ruim, eu não aconselho – com Gabriel Byrne no papel de um padre que tem acesso a um evangelho apócrifo escondido pela Igreja católica e precisa investigar uma série de eventos sobrenaturais, casualmente em um Brasil caricato. Nesse apócrifo, está uma mensagem que abalaria as estruturas da Igreja (“Deus não habita em templos feitos por mãos humanas”).
Para evitar que tal mensagem impactante, que se repete miraculosamente (e que não tem nada de mais, é igual a Atos 17.24), venha a ser conhecida do público, a Igreja elimina uma série de inimigos que tiveram acesso a esse segredo, inaugurando uma temática muito explorada nos últimos anos.
O fato é que o vigor do “cristianismo brasileiro” não pode ser medido pela construção de templos de grande capacidade. Isso é um modismo passageiro. Começou nos Estados Unidos com construções grandiosas, como a Crystal Cathedral, em Garden Grove, CA, prestes a ser vendida por seu criador e construtor por falta de fundos para mantê-la.
Somente poderíamos aceitar um certo vigor do cristianismo brasileiro se víssemos o aparecimento de obras teológicas importantes, novos comentários bíblicos, a participação de linguistas brasileiros na tradução de documentos antigos, ou o envio em boa quantidade de missionários a outros continentes. Infelizmente, segundo Russel Sheed, há menos de um missionário transcultural para cada 10 mil crentes e quase todas as publicações teológicas são traduções de trabalhos estrangeiros.
O que o cristianismo brasileiro não pode reclamar é da música (especialmente a evangélica) e do surgimento de igrejas. Nesse contexto, não é anormal que algumas delas sejam gigantescas. Se for para atender uma necessidade de se reunir 25, 30 mil pessoas, é natural que se pense na construção de templos realmente de grande tamanho.
O que não é compreensível é que um Templo apresentado para ser um dos mais imponentes do mundo, seguindo os moldes do templo de Salomão na Jerusalém bíblica, disponibilize apartamentos, área de lazer com sauna e churrasqueira, como se a igreja fosse a extensão da casa do seu próprio líder-proprietário.
Não é à toa que as igrejas evangélicas que estão erguendo os templos de maior magnitude (e que só o futuro dirá se serão concluídos, ou que serventia terão nos próximos anos) são aquelas para as quais o dízimo bíblico é insuficiente para suas metas de auto-promoção. A primeira delas é a criadora da ‘Fogueira Santa’, um rito sacrificial no qual o nome de Deus é invocado para satisfazer a ambição humana. A outra é a inventora do ‘trízimo’.
Nenhuma dessas criações é representativa de qualquer vigor para o cristianismo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tolerância, cinismo e a vida dura dos ateus (segundo Eliane Brum)

Em sua coluna na Vanity Fair, o recentemente falecido Christopher Hitchens adorava comentar sobre algum aspecto bem detestável da vida cristã nos dias de hoje – geralmente alguma excentricidade americana, como o governador do Texas, Rick Perry, ter dirigido uma oração pedindo por chuva – para, em seguida, pulverizar veneno sobre toda possível crença em Deus, em todo lugar e em qualquer época.
Essa prática argumentativa se chama indução, e faz com que o leitor se familiarize com situações absurdas (porém, muito específicas) para em seguida induzir sua compreensão particular sobre uma realidade muito maior, da qual não podemos (humanamente) entender na sua totalidade. Esse tipo de prática é desaconselhável em se tratando de filosofia, mas é um recurso amplamente usado no campo no jornalismo. Não é mentir, mas também não é dizer a verdade.
Hitchens deixou seguidores. Em artigo na revista Época (15.11.2011), a jornalista Eliane Brum usou e abusou desse recurso ao usar uma situação real para explicitar o que seria dos ateus em um Brasil com a presença cada vez maior dos evangélicos, cada um (imagina-se) esforçando-se para dizer a todos que quem não aceitar Jesus, não será salvo.
Segundo ela, o taxista evangélico que ousou convidar uma jornalista ateia para visitar uma igreja foi “doutrinado” para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Logo, ele não resolveu falar sobre Jesus por uma inclinação pessoal, mas porque a religião o tinha transformado em um ser intolerante – da mesma forma como os ‘carecas do ABC’ infundem atributos pessoais conforme a cor da pele, origem regional ou forma de relação sexual. Em busca de uma explicação melhor, a autora do artigo foi até ao site da igreja dele e saiu apavorada com uma mensagem intitulada ‘O perigo da tolerância’. Estava aí a senha que pode tornar, no futuro, um jovem taxista animado em um perigoso terrorista cristão potencial.
A mensagem indireta é muito clara: “– Você está errado em não ficar preocupado aí. Faça alguma coisa”. Os argumentistas dessa categoria costumam colecionar pequenas notícias (ou, na falta delas, situações sem nenhuma importância prática) para construir conceitos concordantes com sua visão pessoal a serem compartilhados da forma mais sutil possível com os que ainda não têm conceito algum. Sites ateístas que relacionam crimes e falcatruas cometidas por pastores... sites evangélicos que listam escândalos de pedofilia (mas somente os cometidos dentro da Igreja católica)... sites católicos que listam dezenas de igrejas protestantes e seus fundadores (mas nenhum deles é Pedro)... A indução é muito utilizada. Não é ética, mas geralmente funciona.
Contudo, se podemos concordar na necessidade de respeito para a convivência mútua dentro de uma sociedade “cordial”, temos, por outro lado, que admitir que essa convivência requer, no mínimo, o respeito a requisitos da ética, entre os quais se encontra a obrigação de falar dos fatos como realmente são.
Fui ao site da igreja Novidade de Vida ler a íntegra da preleção 'O perigo da tolerância', que pode ser conferida em http://www.novidadedevida.com.br/2011/11/o-perigo-da-tolerancia/
Qualquer leitor devidamente alfabetizado poderá conferir que a mensagem não trata da relação com outras pessoas e/ou religiões, mas à forma de cada um lidar com seus próprios vícios ou os que existem dentro de sua família - e, antes que a criatividade queira determinar que vícios são esses, os citados foram a perdulariedade financeira, a insubordinação aos pais e a pornografia, ou seja, situações em que não é preciso crer em Deus para se tomar alguma providência séria para evitá-las.
Se antes falávamos em sutilezas filosóficas da argumentação, agora não vemos sutileza alguma. Destacar uma frase e direcioná-la a um contexto que não corresponde ao sentido da mensagem sobre a tolerância não é algo que se espera da mais elementar ética, seja no jornalismo, seja na vida cotidiano. Isso não é fazer o bem. Não é ser honesto.
Por outro lado, o artigo me fez lembrar outras situações presentes, até mesmo em minha vida pessoal. Temos que admitir que a jornalista passou por uma situação “leve”, sem constrangimentos. Ela não deve ter perdido o sono naquela noite, e não teve nenhum desconforto a não ser conversar com um desconhecido em uma perspectiva que definitivamente não era a dela.
Pois na mesma data em que era publicado o artigo, conversei com um cidadão que não gostou que se falasse em igreja, gritou dizendo que odiava Deus, e que Jesus era ainda pior. Esse, porém, não quis mudar de assunto, começou a me ofender em via pública, me chamando de 'fascista' e acabou por esmurrar a frente do meu carro. A jornalista devia se sentir contente por apenas um sorriso nervoso.
Observem. Eu não vim aqui me queixar dizendo que ateus são esbravejadores intolerantes e que agridem as pessoas. São comportamentos individuais. Exatamente como o do taxista e da jornalista. Há comportamentos tanto intolerantes quanto tolerantes entre evangélicos, ateus, umbandistas, católicos ou islâmicos. Qualquer um pode ter a opinião que quiser sobre esses grupos, mas não é nada correto abstrair um comportamento geral a partir de atitudes pessoais. Essa, basicamente, é a essência do racismo.
Não presumam que o crente nunca saiba o que é agnóstico ou seus correlatos, ou que seja um analfabeto funcional disposto a tirar do casaco uma Bíblia e tacar na sua cabeça.
Não é nada sensato, como também me ocorreu há poucos dias, que um ateu tenha insistido comigo que cremos em todas as histórias registradas na Bíblia exatamente como estão lá – o que nem os teólogos mais conservadores admitem. Os crentes sabem que algumas leituras são temporais e que não devem ser compreendidas como manuais científicos. Assim como extrapola a qualquer racionalidade que um outro tenha vindo a exigir a aprovação do PL122 contra os 'hipócritas' e 'fanáticos', para acabar com o preconceito, quando justamente o preconceituoso era ele.
Se alguém realmente está preocupado com atitudes intolerantes, o mínimo que se espera desse alguém é que compreenda as diferenças de opinião, e que não venha a estimular opiniões intolerantes ou carregadas de preconceitos ao induzir que apenas um grupo (e somente ele) é o instigador de violências imaginárias.
Nós, crentes, temos bem maior conhecimento e sensatez do que o meio comum admite que tenhamos. Só ainda não temos espaços para demonstrar isso.