sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

De boatos e manifestos

Ainda sobre as eleições de 2010... pesam comentários, de um lado ou de outro, sobre como se deve dar a interferência das igrejas (ou ao menos dos crentes, pensando agir no interesse da religião) na esfera política.
Vejo que muitas ações que deviam ser condenadas foram aceitas como “parte do jogo” (como a multiplicação de boatos inverídicos), e outras que se incluem no dever de ação da igreja junto à sociedade foram vistas como uma interferência absolutamente indesejável, uma “americanização da política” (segundo a opinião de Bresser Pereira).
Tentar obstruir o envolvimento da igreja cristã em temas da sociedade alertando para o caráter laico do estado é puro farisaísmo. Cada cidadão e cada liderança tem o pleno direito de eleger um tema ou mais como essenciais para a tomada de decisão política, conforme a sua visão particular de mundo, que de modo algum tem que se ajustar a um estreitamento secular que “censura” determinados temas e limita a compreensão da realidade muito aquém do seu todo.
A mim, por exemplo, não me interessa a agenda dos partidos sobre a previdência social ou a privatização (até porque os políticos eleitos já se cansaram de prometer determinadas coisas e cumprir um programa totalmente diferente). Eu decido quais temas são importantes para as minhas decisões e vejo como perda de tempo comparar candidatos com posturas tão iguais.
Se a diferença está em questões morais (que inevitavelmente afetam a religião) é aí que podemos fazer escolhas.
O aborto
Dilma é abortista – deixou isso bem claro em 2007.
Não adianta reunir uma claque de cantores e pastores para dizer que mudou de compromisso quando seu próprio partido se recusa em abrir mão dessa posição, exigida pela estratégia feminista que se vincula ao partido. As duas primeiras versões do programa de Dilma previam a descriminalização do aborto. Na terceira, já não consta.
É claro que esse não deve ser o único critério para a escolha de uma candidata. Por mais que a esquerda religiosa procure obscurecer o espectro das escolhas e alegar falta de legitimidade da igreja cristã para falar desse tema, há elementos que não devem ser ocultados. Se os sindicatos e associações de classe podem fazer suas escolhas políticas, se movimentos “cristãos” de natureza obscura podem fazer suas escolhas políticas... por que as igrejas não?
Nas eleições dos últimos 20 anos, a esquerda religiosa sempre correu para defender nas igrejas o apoio a um determinado candidato, mas agora acha muito inconveniente que outros façam o mesmo.
Fez e continua fazendo
Pior ainda que os boatos mais absurdos (como o de que Michel Temer é um satanista), foi um “Manifesto dos Cristãos pela eleição de Dilma” que circulou com subscrições de 600 “líderes” religiosos (na realidade, quase todos militantes do PT) para obstruir manifestações “autoritárias e mentirosas” contra sua candidata.
O manifesto é um primor de submissão. Ele vez de tocar diretamente nas questões morais envolvidas na disputa eleitoral, prefere desviar para termos vagos, genéricos, que sugerem que o projeto do governo, mesmo pretendendo aprovar o aborto, está defendendo o direito à vida. O manifesto é tão acrítico que até a política externa – definida como “feliz”, mesmo com seu apoio a ditaduras homicidas e sua indiferença aos direitos humanos – é defendida.
Um manifesto submisso, descuidado, apressado e tão legítimo que conta até com as assinaturas uma “Paula Tejando” e um “Oscar A’lho” (confiram os números 535 e 536), ministros de uma improvável “Igreja do Amor Humano”.
(Ah, esqueceram de incluir no manifestos eleitores muito mais “decisivos”, como Edir Macedo, Samuel Ferreira ou Marcos Feliciano...)
Teólogos, pastores e padres podem errar. Aliás, costumam errar. Mas estão errando muito e errando demais. Como cegos conduzindo outros cegos, são vozes que vem há décadas tentando calar o povo de Deus. É com essa seriedade que tratam das coisas de Deus?

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