Você
já deve estar sabendo: “A Igreja Católica
vai conceder indulgências a quem seguir o papa Francisco na rede social
twitter, noticiam hoje vários órgãos de comunicação internacionais citando
fontes oficiais do Vaticano” (veja aqui em 17 de julho de 2010). As demais manchetes em todo o mundo seguiram
o mesmo tom.
Aí
qualquer leitor vai pensar “que Igreja
idiota, perdoando as pessoas apenas por seguirem no twitter... quer dizer que é
só clicar no twitter do papa para ir para o céu? Que desespero para ter
seguidores!”
Mas
toda essa história engraçada tem um mistério por trás, e o padre jesuíta James
Martin parece ter demonstrado o começo da trama como um caso de “misreport” (em
inglês, notícia truncada, que mudou de sentido ao passar de uma fonte de
informação para outra).
No
dia 24 de junho, o Vaticano emitiu um documento em que dizia que todos os fiéis
católicos que fossem até a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro,
receberiam uma “indulgência”, isto é, um perdão no além-vida da pena temporal seus
pecados em vida.
A
doutrina que embasa as indulgências foi uma criação dos teólogos da Universidade
de Paris, ainda no começo do século XV. Segundo ela, o acúmulo de boas obras
praticadas pelos santos comissionou a Igreja de uma graça tão grande que
poderia ser utilizada para aliviar o sofrimento das almas do Purgatório. Veja
bem: não é um perdão para aqueles que aqueles que morreram em pecados mortais. São perdões de pecados veniais, cometidos por aqueles que creram
em Cristo em vida, mas cometeram faltas mais leves e irão, sim, finalmente para
o Céu, mas somente depois de pagarem as suas penas menos graves no Purgatório,
em uma espera dolorosa que poderia demorar milhares de anos. Mas teria fim.
De
lá para cá, a doutrina das indulgências mudou muito. Foi a causa mais imediata,
como bem sabemos, da Reforma protestante (nós, protestantes, não aceitamos a
validade das indulgências e, muito menos de um estado intermediário entre o Céu
e o Inferno), e no século XX o próprio conceito católico de Purgatório mudou radicalmente
– deixou de ser um “lugar” para ser um “estado”. E as indulgências escritas, em
documentos formais, que determinavam até a quantidade de anos a menos no
Purgatório, deixaram de existir. Além do mais, passou-se a exigir que o devoto
perdoado tivesse também um coração “verdadeiramente arrependido e contrito”.
Porém,
enquanto ideia, a indulgência papal continuou a existir. Aliás, ela é bastante
comum em diferentes eventos e locais de peregrinação em torno do mundo, mesmo
que a maioria dos católicos não tenha conhecimento delas, e não dê a mínima importância
para a sua existência.
Pois
bem.
Segundo
Martin, o jornal britânico The Guardian
teve acesso a essa informação (de que seria concedida indulgência também aos
participantes da JMJ), vinda diretamente do Vaticano, por uma fonte que
descobriu isso “pelo twitter”. Daí
foi um passinho para a manchete sair “Vaticano oferece perdão aos seguidores do
papa Francisco no twitter”.
Como
o The Guardian é um jornal de grande
credibilidade internacional, foi outro pequeno salto para a notícia lesadinha
virar uma fofocaida mundial (ops... agora, fofoca tem um nome mais chique: viral).
2 comentários:
Prezado Investigador,
Deixo aqui o que Lutero falou sobre as indulgências em suas 95 teses:
31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.
42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.
71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
Resumindo: Sem as predisposições não faz jus as mesmas.
Berakash
Exatamente.
Nas 95 Teses (que foi o primeiro documento) não há uma contrariedade muito evidente de Lutero à tese das indulgências, e sequer uma crítica direta ao Papa.
Essa oposição vai aparecer em escritos posteriores. Por enquanto, Lutero insiste mais contra a venda das indulgências, e podem dar a ideia de que ele preferia que fossem não vendidas em hipótese alguma.
Por isso está presente em todo o documento a ênfase no arrependimento como condição sine qua non para o perdão dos pecados (especialmente as teses 33 a 39).
"36. Todo cristão que verdadeiramente se arrepende dos seus pecados está livre tanto do castigo quanto da culpa, sem a necessidade de cartas de indulgência".
Outro detalhe:
Não use teses isoladas como demonstração do pensamento de Lutero. As teses incluem comentários que só são compreensíveis se lidas em todo o esboço de ideias.
Elas são um documento inequívoco da intenção de Lutero de preservar a pureza e a unidade da Igreja contra abusos que ele estava presenciando.
Tanto que foram endereçadas ao próprio Arcebispo que recebera a incumbência de tais indulgências em nome de Leão X.
Ao escolher pelo erro, o papa Leão provocou a quebra da unidade da Igreja, colocando-se infelizmente entre que Paulo condenou em Romanos 16.17.
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