segunda-feira, 22 de julho de 2013

Desculpe, o twitter não vai perdoar você!


Você já deve estar sabendo: “A Igreja Católica vai conceder indulgências a  quem seguir o papa Francisco na rede social twitter, noticiam hoje vários órgãos de comunicação internacionais citando fontes oficiais do Vaticano(veja aqui em 17 de julho de 2010). As demais manchetes em todo o mundo seguiram o mesmo tom.
Aí qualquer leitor vai pensar “que Igreja idiota, perdoando as pessoas apenas por seguirem no twitter... quer dizer que é só clicar no twitter do papa para ir para o céu? Que desespero para ter seguidores!
Mas toda essa história engraçada tem um mistério por trás, e o padre jesuíta James Martin  parece ter demonstrado o começo da trama como um caso de “misreport” (em inglês, notícia truncada, que mudou de sentido ao passar de uma fonte de informação para outra).
No dia 24 de junho, o Vaticano emitiu um documento em que dizia que todos os fiéis católicos que fossem até a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, receberiam uma “indulgência”, isto é, um perdão no além-vida da pena temporal seus pecados em vida.
A doutrina que embasa as indulgências foi uma criação dos teólogos da Universidade de Paris, ainda no começo do século XV. Segundo ela, o acúmulo de boas obras praticadas pelos santos comissionou a Igreja de uma graça tão grande que poderia ser utilizada para aliviar o sofrimento das almas do Purgatório. Veja bem: não é um perdão para aqueles que aqueles que morreram em pecados mortais. São perdões de pecados veniais, cometidos por aqueles que creram em Cristo em vida, mas cometeram faltas mais leves e irão, sim, finalmente para o Céu, mas somente depois de pagarem as suas penas menos graves no Purgatório, em uma espera dolorosa que poderia demorar milhares de anos. Mas teria fim.
De lá para cá, a doutrina das indulgências mudou muito. Foi a causa mais imediata, como bem sabemos, da Reforma protestante (nós, protestantes, não aceitamos a validade das indulgências e, muito menos de um estado intermediário entre o Céu e o Inferno), e no século XX o próprio conceito católico de Purgatório mudou radicalmente – deixou de ser um “lugar” para ser um “estado”. E as indulgências escritas, em documentos formais, que determinavam até a quantidade de anos a menos no Purgatório, deixaram de existir. Além do mais, passou-se a exigir que o devoto perdoado tivesse também um coração “verdadeiramente arrependido e contrito”.
Porém, enquanto ideia, a indulgência papal continuou a existir. Aliás, ela é bastante comum em diferentes eventos e locais de peregrinação em torno do mundo, mesmo que a maioria dos católicos não tenha conhecimento delas, e não dê a mínima importância para a sua existência.
Pois bem.
Segundo Martin, o jornal britânico The Guardian teve acesso a essa informação (de que seria concedida indulgência também aos participantes da JMJ), vinda diretamente do Vaticano, por uma fonte que descobriu isso “pelo twitter”. Daí foi um passinho para a manchete sair “Vaticano oferece perdão aos seguidores do papa Francisco no twitter”.
Como o The Guardian é um jornal de grande credibilidade internacional, foi outro pequeno salto para a notícia lesadinha virar uma fofocaida mundial (ops... agora, fofoca tem um nome mais chique: viral).

2 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Investigador,

Deixo aqui o que Lutero falou sobre as indulgências em suas 95 teses:

31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.

38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.

42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.

47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.

49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.
71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.

Resumindo: Sem as predisposições não faz jus as mesmas.

Berakash

Leandro Matias Deon disse...

Exatamente.
Nas 95 Teses (que foi o primeiro documento) não há uma contrariedade muito evidente de Lutero à tese das indulgências, e sequer uma crítica direta ao Papa.

Essa oposição vai aparecer em escritos posteriores. Por enquanto, Lutero insiste mais contra a venda das indulgências, e podem dar a ideia de que ele preferia que fossem não vendidas em hipótese alguma.
Por isso está presente em todo o documento a ênfase no arrependimento como condição sine qua non para o perdão dos pecados (especialmente as teses 33 a 39).

"36. Todo cristão que verdadeiramente se arrepende dos seus pecados está livre tanto do castigo quanto da culpa, sem a necessidade de cartas de indulgência".

Outro detalhe:
Não use teses isoladas como demonstração do pensamento de Lutero. As teses incluem comentários que só são compreensíveis se lidas em todo o esboço de ideias.

Elas são um documento inequívoco da intenção de Lutero de preservar a pureza e a unidade da Igreja contra abusos que ele estava presenciando.
Tanto que foram endereçadas ao próprio Arcebispo que recebera a incumbência de tais indulgências em nome de Leão X.

Ao escolher pelo erro, o papa Leão provocou a quebra da unidade da Igreja, colocando-se infelizmente entre que Paulo condenou em Romanos 16.17.