segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

2011: um balanço da Guerra do Natal

Na última década, o período das festividades natalinas tornou-se, nos Estados Unidos, um tempo de batalhas jurídicas e provocações mútuas entre, de um lado, organizações que procuram reter ou reviver as motivações cristãs do Natal, e, de outro, encrenqueiros ateístas que entendem que a comemoração pública do Natal (como presépios ou encenações montados com dinheiro público) viola a cláusula de estabelecimento da Primeira Emenda da constituição americana.[i]

Desde pelo menos a década de 50, o Natal transformou-se em uma data comemorativa neutra, desprovida de intenções religiosas mais explícitas e coerente com os princípios politicamente corretos de diversidade cultural[ii]. Um dia para distribuir presentes reunir a família para uma refeição substancial e, sobrando tempo, realizar algum ato imprevisível de generosidade inspirado em contos de Charles Dickens.
Tudo isso é permitido a todos, desde que o Natal não seja chamado pelo seu próprio nome – Christmas – que poderia soar muito invasivo e impróprio para os ouvidos bem mais sensíveis de cidadãos judeus ou os agnósticos, por exemplo – os primeiros, porque já tem a sua própria festa (Chanukah), que coincide com esta época; e os segundos porque, mesmo não dispensando o feriado e adorando a prática de dar e receber presentes, detestam ser lembrados que o motivo desta comemoração provém de uma data oriunda do passado mítico.
Por este motivo, muitas empresas e organizações estatais instam com seus funcionários para que jamais saúdem seus clientes com um Merry Christmas (porque seria ofensivo demais a quem não compartilha a fé cristã), e sim que utilizem os genéricos Happy Holydays ou Seasons Greetings (que equivalem ao nosso “Boas Festas”), até mesmo diante de pessoas que não estejam pretendendo comemorar festa alguma... – será que pessoas que não trabalham ficariam ofendidas com a parada do Dia do Trabalho?
Em contraposição, muitas entidades cristãs organizam, com relativo sucesso, boicotes contra essas empresas que proíbem o Natal para seus funcionários e clientes.
No último ano (2011), a “guerra do Natal” tomou alguns aspectos irônicos e em outras situações beirou o ridículo.
Tudo parece ter começado quando o governador do Wisconsin chamou a árvore natalina de Christmas Tree (e não Holiday Tree, como exige a correção política) e manteve a ousadia de montar um presépio no Capitólio do estado, o que provocou a indignação da Freedom from Religion Foundation, uma das mais renhidas organizações secularistas dos Estados Unidos.
A FFRF (sediada em Madison, Wisconsin) não conseguiu seu intento (remover o presépio) no próprio estado[iii], mas partiu para o ataque – junto com outras organizações – em outras partes do país, em uma campanha ostensiva contra as comemorações natalinas.
§  Os comissários de Athens, no condado de Henderson, Texas, passaram a receber uma enxurrada de cartas e telefonemas vindos de várias partes do país (incentivados pela sessão da FFRF em Wisconsin) por ter autorizado a colocação de um presépio de Natal (custeado por uma entidade local) no gramado em frente ao prédio do tribunal. Segundo a FFRF, os presépios trazem uma mensagem de “intimidação e exclusão” e devem ser demolidos. Não tendo conseguido a remoção, a FFRF exigiu a colocação de um banner ateísta no mesmo local.
§  Em Warren, Michigan, um advogado local, com apoio da FFRF, ameaçou processar a municipalidade se não fosse permitida a colocação – junto ao presépio – de um marco dizendo que não há Deus e que as religiões escravizam.[iv]
§  Em Elwood City, Pennsylvania, a municipalidade cedeu às pressões da FFRF e decidiu demolir o presépio que há 50 anos era montado, todos os anos, na praça principal da cidade.
§  A mesma FFRF também tentou a remoção de um banner intitulado “Keep Christ in Christmas” (Mantenha Cristo no Natal), colocado pela organização católica Knights of Columbus em Pitman, New Jersey. Não conseguiram porque o banner foi patrocinado por uma entidade privada e instalado em propriedade particular.
§  Em Lincoln, Nebraska, a America Civil Liberties Union conseguiu a remoção de um luminoso que também lembrava qual o motivo para as comemorações natalinas. Segundo o advogado contratado pela ACLU, há estudantes judeus e muçulmanos na escola em frente que poderiam ficar “doentes” com a exposição ao Natal.
§  Em Silver Spring, Maryland, um grupo de cantores de Natal foi colocado para fora de uma agência de Correios depois que o seu gerente declarou que eles não tinham permissão para cantar músicas natalinas em uma propriedade do governo. O coro foi expulso à força e sob vaias contra o gerente.
§  Em Santa Monica, Califórnia, a municipalidade dispunha anualmente de 14 áreas para a exposição de presépios em tamanho natural, montados pela população local e pelas igrejas – seguindo uma tradição mantida nos últimos 57 anos e que sempre atraiu visitantes de cidades vizinhas. Nesse ano, os ateus exigiram um espaço para suas ideias, e por sorteio, 11 dessas áreas foram disponibilizadas para ridicularizar a fé cristã com peças patrocinadas por organizações nacionais, como a American Atheists e pela Atheist United – clique aqui para ver algumas dessas mensagens. Das restantes, 1 coube para o Chanukah judeu, e apenas 2 serviram para presépios.
§  Na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, os legisladores receberam um memorando determinando que não utilizassem as saudações “Feliz Natal” ou “Feliz Chanukah” nas suas correspondências oficiais (ou seja, pagas com dinheiro dos impostos), enviadas todo final de ano aos eleitores de seus condados. Vários representantes, tanto republicanos quanto democratas, se uniram para derrubar a determinação.
§  Em Leesburg, Virgínia, a população local foi surpreendida com a colocação, no gramado do tribunal local, de um esqueleto com a roupa vermelha de Papai Noel pendurado em uma cruz, com a inscrição “Saudações dos seus amigos ateus locais”. A peça foi uma montagem feita pela “Igreja do Monstro de Espaguete Voador” (uma paródia ateísta contra a crença em Deus), que também montou um presépio trocando o menino Jesus pelo espaguete.
§  Em Nova York, as tradicionais luzes de Natal, árvores e menorahs que adornavam o St. George Staten Island Ferry Terminal foram removidas por ordem do Departamento de Transporte da cidade – em 2010, apenas uma árvore e o menorah se mantinham. Segundo as autoridades, a remoção foi por motivos de segurança de tráfego.
§  Em novembro, a Academia da Força Aérea foi forçada a pedir desculpas pelo apoio dado à Operação Natal Criança (uma iniciativa que todo ano oferece presentes de natal a crianças pobres em 100 países). Segundo a Military Religious Freedom Foundantion, houve queixas de funcionários islâmicos da academia, que entendia que a iniciativa favorecia a “intolerância religiosa”. A mesma entidade exigiu a derrubada de telas natalinas e de um menorah de uma base área.
§  Na Carolina do Sul, um voluntário de 67 anos que trabalhava como Papai Noel foi dispensado porque não correspondia às “diferentes culturas e crenças” que o instituto do câncer local queria proporcionar.
§  Em Tuscumbia, Alabama, uma queixa chamou de “inconstitucional” a apresentação da canção natalina “Silent Nigth, Holy Nigth” (é o nosso “Noite Feliz”) por crianças de 6 a 7 anos de uma escola primária. Segundo a organização American United for the Separation of Church and State, que exigiu a proibição, a letra da música refere-se a Jesus como salvador, e essa menção só pode ser feita nas igrejas ou residências. A escola decidiu ignorar a queixa.
§  Em Fort Worth, Texas, o distrito escolar local determinou que os funcionários proibissem as crianças de trocar presentes ou a tradicional bengala doce de Natal com receio de que pudessem conter mensagens religiosas. Até mesmo o Papai Noel foi banido. A um aluno foi dito que não era permitido escrever “Feliz Natal” em um cartão enviado às tropas americanas no exterior. Determinações semelhantes foram tomadas nas escolas de Stockton, Califórnia, em Newburyport, Massachussetts, e em Mesquite, Nevada.
§  Em Saugus, Massachussetts, o superintendente escolar vetou a participação de bombeiros aposentados que há 50 anos distribuem livros para colorir às crianças vestidos de Papai Noel – uma tradição seguida há 40 anos. Segundo o superintendente, essa tradição viola a separação entre a religião e o estado. Ele só foi levado a reverter a decisão porque foi convencido de que o Papai Noel é uma figura secular e não religiosa.
§  Em Boca Raton, Flórida, a municipalidade determinou a proibição total de todos os enfeites natalinos fossem proibidos em todas as áreas públicas da cidade.
Como se pode observar, a maioria dos locais onde ocorreram esses fatos são cidades pequenas, sem grande diversidade cultural, e nas quais a comemoração pública do Natal era realizada há décadas sem maiores incidentes. O que teve repercussão nacional foi o de Henderson, Texas, onde a controvérsia reuniu um protesto de 5 mil pessoas apoiando a manutenção do presépio.
Esses choques envolvendo presépios e outras figuras associadas ao Natal não tem grande importância se comparados ao que acontece em outras partes do mundo (como a Nigéria, Laos ou Uganda, onde pessoas foram mortas ou violentadas neste último Natal), porém se tornaram bem mais agressivos nos últimos dois anos[v]. Segundo o comissário do distrito de Leesburg (onde foi colocado o esqueleto), Kenneth Reid, esse tipo de agressão por parte dos ateus é gratuita, e tem por objetivo horrorizar as pessoas e aprofundar as diferenças entre elas. Para Reid – que é judeu – “Ninguém está lá fora, pregando como esses caras. Eles estão lá fora, em uma tentativa descarada de tentar acabar com a religião e arruinar o Natal das pessoas. Os grupos de ateus nos últimos dois anos têm usado isso como uma oportunidade para tentar proibir tudo”.


[i] A cláusula de estabelecimento veta que o governo, em qualquer um dos seus níveis, apoie ou patrocine uma determinada religião ou a irreligião.
[iii] Os ateus de Madison, WI, reagiram ironicamente, montando uma versão do presépio que tinha como bebê na manjedoura não Jesus Cristo, mas uma boneca de menina de matiz africana (Lucy?), vestida com roupa de Papai Noel. Outros personagens de papel compuseram o conjunto: a Afrodite de Botticelli no lugar da Virgem Maria; Thomas Jefferson como José; um Mark Twain pensativo no lugar do pastor, um astronauta como anjo, e os sábios (reis magos) representados por Marie Curie, Albert Einsten e Charles Darwin.
[iv] Esse marco, criado pela FFRF, já existe em algumas localidades para se contrapor ao Natal e diz: “Nesta época do Solstício de Inverno, deixe a razão prevalecer. Não há deuses, não demônios, nem anjos, nem o céu ou o inferno. Existe apenas nosso mundo natural. A religião é apenas um mito e uma superstição que endurece corações e escraviza mentes”.
[v] Em 2010, os eventos mais notórios da guerra anti-natalina estiveram mais relacionados a casos de vandalismo.

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